O PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA SEGUNDO JUDITH BUTLER
Como a teoria queer silenciosamente pauta o Judiciário brasileiro sem respaldo democrático.
É da natureza dos impérios ideológicos não se apresentarem como tal. Preferem o manto do progresso, o disfarce da técnica, o léxico da empatia. No entanto, por trás das palavras suaves e das intenções declaradamente nobres, há, por vezes, engrenagens poderosas voltadas à corrosão de pilares civilizatórios — como a verdade biológica, a distinção dos sexos e o direito de as nações decidirem, soberanamente, como reger sua moralidade pública.
Nesse cenário, entra em cena a “perspectiva de gênero”, inserida silenciosamente na seara judiciária por meio do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, criado pelo Conselho Nacional de Justiça. Uma resolução que, embora travestida de orientação, funciona na prática como verdadeira legislação paralela — e, por isso mesmo, inconstitucional em sua origem. Não por acaso, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Decreto Legislativo (PDL 89/2023), de autoria da deputada federal Chris Tonietto, visando à sustação de seus efeitos.
Mas o problema vai além do debate técnico-jurídico.
O que muitos não percebem é que, ao aceitar o vocabulário — “gênero” em lugar de “sexo” —, o Judiciário passa a operar, ainda que involuntariamente, dentro da moldura epistemológica de uma teoria revolucionária.
A partir do momento em que um julgador é compelido a “adotar a perspectiva de gênero”, ele já se encontra em campo minado: está aplicando, por via transversa, os pressupostos de uma teoria que nega a biologia, esvazia a objetividade da verdade e transforma o sentimento subjetivo em parâmetro normativo.
A origem dessa teoria remonta às elucubrações filosóficas de pensadoras como Simone de Beauvoir (“ninguém nasce mulher, torna-se mulher”) e Judith Butler, cuja obra “Problemas de Gênero” buscou, deliberadamente, subverter a noção de identidade.
De lá para cá, com o suporte de fundações internacionais, ONGs ideologizadas e organismos como a ONU — cuja atuação em Pequim e no Cairo está fartamente documentada —, assistimos à consolidação de uma agenda que pretende ressignificar o ser humano à revelia de sua constituição física, cultural e moral.
A palavra “gênero” foi escolhida com astúcia. Mais polida que “sexo”, mais plástica que “homem” ou “mulher”, ela passou a funcionar como um instrumento semântico de colonização.
Como bem apontou Dale O’Leary, foi pela linguagem que o feminismo radical se infiltrou nos documentos internacionais, ressignificando direitos, relações e até mesmo o conceito de família. Assim, o que antes era mérito, virou empoderamento e o que antes era julgamento técnico, converteu-se em “julgamento sensível”.
A grande cilada está justamente aí: não se trata de um esforço para garantir justiça a mulheres vítimas de opressão real, mas de um projeto político mais amplo — o da desconstrução da ordem simbólica tradicional, com o fito de instaurar uma nova matriz antropológica. A ideologia de gênero, em sua essência, não visa à igualdade — já garantida constitucionalmente —, mas à relativização de toda verdade fixa.
O biológico cede ao cultural. O objetivo ao subjetivo. O direito à ideologia.
Ao impor a magistrados uma “perspectiva de gênero”, sem qualquer suporte legal — e, pior, sem debate público —, cria-se uma insegurança jurídica nefasta. Julgar com “perspectiva de gênero” significa, na prática, julgar com lentes ideológicas. Substitui-se o princípio da imparcialidade por uma presunção invertida de opressão sistêmica e estrutural. Os homens passam a ser presumidos opressores, as mulheres presumidas vítimas. O sujeito concreto dá lugar ao arquétipo. E o direito, que deveria ser ferramenta de pacificação, torna-se meio de revanche social.
Mas o que está em jogo vai muito além do processo judicial. Trata-se da própria concepção de verdade. O caso emblemático de David Reimer (22 de agosto de 1965 – 5 de maio de 2004) — transformado à força em Brenda por um experimento social de John Money, símbolo da teoria de gênero — expõe, com dolorosa clareza, as consequências trágicas de se negar a realidade objetiva. A tentativa de suplantar a biologia com ideologia levou dois irmãos ao suicídio. Ainda assim, a teoria sobrevive, protegida por um manto de silêncio acadêmico e blindagem midiática.
Não se trata, aqui, de negar as desigualdades que existem no mundo real. Trata-se de recusar um modelo que confunde diferença com opressão, identidade com desejo e justiça com ressentimento. A justiça brasileira não precisa de protocolos impregnados de engenharia social. Precisa de técnica, imparcialidade e coragem para decidir conforme a verdade real dos fatos e o direito — e não conforme as exigências de uma pauta gestada em conferências internacionais e imposta ilegitimamente por resoluções administrativas.

O Judiciário não foi concebido para operar como instrumento de transformação cultural, tampouco para se tornar laboratório de teorias sociológicas. A função do juiz não é acolher militâncias nem validar experimentos ideológicos: é aplicar o direito dentro dos limites legais e constitucionais. Ao abraçar a “perspectiva de gênero”, o Judiciário abandona sua neutralidade e adere, ainda que involuntariamente, a uma narrativa profundamente hostil à ordem biológica, à família e à própria noção de natureza humana.
Não nos enganemos: quem define os termos do debate, molda seus desfechos. A introdução do termo “gênero” na linguagem jurídica não foi um ato de neutralidade, mas de guerra semântica. E o silêncio com que essa mudança foi aceita diz muito sobre o estado de adormecimento da sociedade civil. É hora de compreender que não há neutralidade onde há engenharia social, nem justiça onde há imposição ideológica.
A justiça deve ser cega — mas nunca cúmplice.